Elza Soares: a voz que canta a liberdade feminina
- Cultura e Café
- 19 de set. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de out. de 2018
O “fiu fiu” é estrutural
por Yara Barros
Elza Soares:
Com apenas 11 anos casou-se com um homem bem mais velho. Teve seu primeiro filho aos 12 anos, que morreu pouco tempo depois do nascimento. Aos 15, seu segundo filho morreu por conta da fome. Aos 21 ficou viúva e precisou sustentar cinco filhos sozinha, três meninos e duas meninas. Trabalhou como empregada doméstica e conseguiu algumas participações em programas de rádio. Em 1960 conseguiu finalmente viver unicamente da música. Em 1962 lançou a música “Eu sou a outra”, fazendo referência ao relacionamento escondido que tinha com Garrincha, enquanto ele ainda era casado. Em 1963 casou-se com Garrincha. Ficaram juntos por cerca de 16 anos, e tiveram um filho: Manoel Francisco dos Santos Júnior, que faleceu com apenas 9 anos de idade, em um acidente de carro. O relacionamento entre Elza e Garrincha foi marcado por: agressões físicas, ciúmes doentio, traições e humilhações.
Elza Soares é o reflexo da mulher que passou a vida sendo moldada por expressões e construções machistas e retrogradas. Foi obrigada por seu pai a casar ainda muito nova com um homem bem mais velho. Antes do fim da adolescência já tinha tido dois filhos e passou por dois casamentos abusivos.
A mulher do fim do mundo e o machismo estrutural:
A mulher do fim do mundo é dona de uma voz que canta toda a exclusão, machismo e racismo que sofreu ao longo da vida. A voz do milênio pela BBC de Londres em 1999 é a voz de uma mulher: pobre, negra e feminista.
Mesmo sem o nome “feminismo” entrar em pauta de fato, Elza já era uma mulher feminista bem a frente de seu tempo, que tocava em assuntos que até então eram tabu, por conta do conservadorismo e submissão feminina da época.
Essa estrutura social foi criada desde os primórdios da nossa sociedade, na qual o homem é tido como o “macho alfa”, progenitor de segurança aos filhos e a esposa, enquanto a função da mulher é unicamente ser mãe, esposa e dona de casa. A quebra desse padrão pré- estabelecido socialmente dá liberdade para que as mulheres migrem para campos, anteriormente dominados apenas por homens.
O machismo estrutural é um sistema da estrutura dos privilégios dos homens que é reproduzido naturalmente. Construção esta, que inferioriza a mulher. Tendo como consequência, por exemplo, casamentos infantis, como o de Elza Soares, algo que era tido comum há algumas décadas atrás e acontece em alguns países pouco desenvolvidos ou regidos por uma forte corrente religiosa.
Em 2015, por exemplo, o casamento de meninas menores de idade aumentou de 11,3 milhões para 11,5 milhões “e ainda há 82,8 milhões de meninas com idades de dez a 17 anos que não estão legalmente protegidas contra casamentos infantis”, segundo o site G1.
Efeitos do sistema patriarcal:
O Brasil registrou cerca de 164 casos de estupros de mulheres por dia no ano de 2017.
Um caso a cada 10 minutos.
50,9% dos estupros ocorridos em 2016 foram de crianças.
Taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. 4,8 para 100 mil mulheres.
Segundo o IBGE a diferença salarial entre homens e mulheres chega a 22,5%.
A cada 7.2 segundos uma mulher é vitima de violência doméstica.
Fontes: Anuário Brasileiro de Segurança Pública; Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ONU Mulheres Brasil; IBGE; Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha.
A importância da luta feminina e da desconstrução do machismo estrutural:
Cada vez mais grupos de militâncias femininas têm aparecido nos grandes veículos de imprensa e ganhado espaço nos debates de minorias, para expor os dados assustadores dos diversos tipos de violência que as mulheres sofrem simplesmente por serem mulheres.
Essa visibilidade se reflete também no meio artístico. Cantoras como: Pitty, Ana Cañas e Elza Soares fazem questão de destacar a importância da luta feminina contra o machismo nas letras de suas canções.
A música "Marida da Vila Matilde" de Elza Soares destaca a importância de denunciar a violência doméstica:
"Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar"
"Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim"
A mulher do fim do mundo carrega consigo a voz da resistência diária que cada mulher enfrenta. Nós deixamos de ser Camélias, desconstruímos as Amélias e mostramos que nosso corpo ainda é nossa lei. Talvez Deus seja de fato uma mulher.
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